Parlamentares e representantes dos setores produtivos estão apreensivos com o modelo escolhido pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), para a tramitação dos textos que irão regulamentar a reforma tributária.
Nesta semana, Lira oficializou a criação de dois grupos com sete deputados cada e descartou a possibilidade de um único parlamentar ser o relator das propostas, como foi feito durante a tramitação da Proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma.
A avaliação de parlamentares ouvidos pela Folha de S.Paulo é que isso aumenta o poder de Lira, uma vez que concentra nas mãos do alagoano as decisões que serão tomadas. Eles dizem que sem um relator para acompanhar as discussões e elaboração do texto, eventuais impasses em pontos da matéria acabarão sendo deliberados por Lira. Desde o começo da tramitação da matéria na Casa, Lira tem se colocado como uma espécie de fiador da reforma, em busca de uma marca emblemática para sua gestão à frente da Câmara.
A participação de todos os partidos, com cada um indicando um membro para o GT, já dará uma amplitude de debate, uma participação, como já foi na PEC”, disse nesta semana.
Um dos insatisfeitos foi o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que mostrou preocupação com o fato de nenhum deputado de São Paulo estar no grupo que analisará o primeiro texto enviado pelo governo ao Congresso.
A preocupação chegou ao presidente da Câmara por intermédio do presidente do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), e autor da PEC da reforma. Na conversa entre os dois, Lira argumentou que Baleia, como presidente de partido, poderia ter indicado um paulista para o grupo.
Esse risco de transtorno, no entanto, tem sido citado nos bastidores por negociadores da reforma e empresários do setor produtivo, ouvidos pela Folha na condição de anonimato.
Ninguém faz críticas públicas para não bater de frente com o presidente da Câmara justamente nesse momento delicado, quando pontos específicos do texto podem prejudicar ou ajudar os setores após a implementação da reforma. O próprio Lira já recebeu 43 pedidos de audiência de representantes de categorias, mas preferiu não atender nenhum deles. O argumento foi o de não ser influenciado em pontos que serão decididos pelos deputados do grupo de trabalho. A estratégia foi repassar os pedidos ao colegiado.
O presidente da Casa, porém, já avisou a interlocutores que o texto do governo que chegou à Câmara “não veio muito quadrado” e, portanto, ajustes pontuais serão feitos na Câmara. Na tramitação da PEC, o relator foi o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que ficou de fora dos grupos desta vez.
O modelo de tramitação é considerado heterodoxo pelos grupos que participam das negociações da reforma, principalmente porque o sistema não conta com nenhuma liderança para coordenar os trabalhos de mudanças no texto proposto pelo Ministério da Fazenda.
Com o afastamento de Ribeiro, que tinha relação próxima com a equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda), o comando das negociações pelo presidente da Câmara ficará mais fácil, na avaliação dos críticos. À frente da relatoria desde o início da tramitação, antes mesmo do início do governo Lula, Ribeiro poderia ser um contraponto técnico mais forte.
Aliados de Lira relatam que o presidente da Câmara se irritava a cada apoio público à permanência de Ribeiro na relatoria. Além do apoio de Haddad, do secretário extraordinário de Reforma Tributária, Bernard Appy, e de setores empresariais, o presidente Lula defendeu publicamente Ribeiro.
O primeiro projeto de lei complementar trata das regras gerais de operação dos novos tributos, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) federal, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) de estados e municípios e o Imposto Seletivo (IS). O grupo para analisar esse texto será formado pelos seguintes deputados: Claudio Cajado (PP-BA), Reginaldo Lopes (PT-MG), Hildo Rocha (MDB-MA), Joaquim Passarinho (PL-PA), Augusto Coutinho (Republicanos-PE), Moses Rodrigues (União Brasil-CE) e Luiz Gastão (PSD-CE).
Lopes tem trabalhado intensamente nos bastidores para ser o relator ao final dos trabalhos do grupo de trabalho. O nome de Mauro Benevides Filho (PDT-CE), que se tornou recentemente um dos vice-líderes do governo na Casa, também aparece na bolsa de apostas.
Aliados de Lira minimizam as críticas sobre os integrantes dos grupos e dizem que foram os próprios partidos que indicaram os nomes –coube ao alagoano escolher quais.
Integrantes dos grupos de trabalho
GRUPO 1
Claudio Cajado (PP-BA): Deputado em seu sétimo mandato, é advogado. Foi filiado ao PFL e ao DEM e hoje é do Progressistas. Foi relator na Câmara dos Deputados do novo arcabouço fiscal no ano passado
Reginaldo Lopes (PT-MG): Foi coordenador do grupo de trabalho da reforma tributária na Câmara e líder do PT na Casa em 2022. Foi cotado para ocupar um ministério de Lula durante a transição do governo. Em seu sexto mandato, é economista
Hildo Rocha (MDB-MA): Ex-secretário-executivo do Ministério das Cidades do governo Lula, não conseguiu se reeleger em 2022. Assumiu mandato em maio deste ano, como suplente, na vaga de Roseana Sarney, que está em licença. Foi prefeito de Cantanhede, no Maranhão, e é administrador
Joaquim Passarinho (PL-PA): Arquiteto, é presidente da FPE (Frente Parlamentar do Empreendedorismo) e está em seu terceiro mandato. Foi suplente na CPI do MST na Câmara no ano passado e é sobrinho do ex-governador e ex-ministro da ditadura militar Jarbas Passarinho
Augusto Coutinho (Republicanos-PE): Deputado em seu quarto mandato, é engenheiro. Atua como terceiro vice-presidente da comissão de Indústria, Comércio e Serviços da Câmara
Moses Rodrigues (União Brasil-CE): Deputado em seu terceiro mandato, é administrador e professor. Foi presidente da comissão de Educação da Câmara em 2023
Luiz Gastão (PSD-CE): Empresário, foi eleito para seu primeiro mandato em 2022. É presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Ceará e um dos vice-líderes do bloco que reúne MDB, PSD, Republicanos e Podemos
GRUPO 2
Vitor Lippi (PSDB-SP): Integrou o grupo de trabalho da reforma tributária na Câmara. Médico, está em seu terceiro mandato de deputado federal. Foi prefeito de Sorocaba, no interior de São Paulo
Pedro Campos (PSB-PE): Eleito para seu primeiro mandato em 2022, é engenheiro e um dos vice-líderes do PSB na Câmara. É irmão do prefeito do Recife, João Campos (PSB)
Mauro Benevides Filho (PDT-CE): Em seu segundo mandato, é um dos vice-líderes do governo na Câmara dos Deputados e integrou o grupo de trabalho da reforma tributária na Casa. É professor e foi secretário do Planejamento e Gestão do Ceará
Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR): Um dos idealizadores da reforma tributária aprovada na Câmara no ano passado, assumiu mandato com a cassação de Deltan Dallagnol (Novo-PR) em junho de 2023. Economista e professor, está em seu oitavo mandato. Foi secretário da Fazenda do Paraná
Ivan Valente (PSOL-SP): Professor e engenheiro, está em seu oitavo mandato. Fez parte do grupo de trabalho da reforma tributária na Casa
Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ): Líder do Solidariedade na Câmara, é empresário e está em seu quarto mandato. Foi presidente da CPI das Pirâmides Financeiras na Casa no ano passado
Bruno Farias (Avante-MG): Eleito pela primeira vez em 2022, é enfermeiro e presidente do Coren (Conselho Regional de Enfermagem) de Minas Gerais. É o primeiro vice-presidente da comissão de Administração e Serviço Pública da Câmara. Atuou nas CPIs da Americanas e das Pirâmides Financeiras no ano passado