Embora a SMS tenha sinalizado intenção de acolher a recomendação, limitou-se a informar a criação de grupo condutor e de uma comissão, além da contratação de dois médicos fiscais, sem nenhuma medida concreta ainda para assumir o atendimento dos pacientes que permanecem desassistidos pela falta de fluxo adequado de regulação. Comprometeu-se apenas a produzir plano de fiscalização em sete dias.
A SMS informou ainda que, após notificado, o Hospital Napoleão Laureano (HNL) – entidade que deveria atender cerca de 70% da demanda de pacientes do estado – não adotou todas as providências que lhe cabiam. Foi informada a instauração de procedimento de apuração administrativa pelo descumprimento de contrato.
O MPF e o MPPB alertaram que a simples instauração de processo de responsabilização não serve ao objetivo de garantir o direito desses pacientes em grave risco de danos irreparáveis à saúde e morte.
Na recomendação, os Ministérios Públicos apontaram o descumprimento da decisão da Justiça Federal proferida no processo nº 0812231-24.2019.4.05.8200, determinando ao Município socorrer pacientes não atendidos pelo HNL, com posterior custeio pela União. Frisou-se também que pode haver ainda novas medidas judiciais e extrajudiciais em amparo a esses pacientes.
União e Estado da Paraíba – O Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus) informou o acolhimento da recomendação, informando que promoverá o monitoramento da crise detectada na rede de oncologia na Paraíba.
O MPF e o MPPB deferiram prazo suplementar para manifestação da Secretaria de Atenção Especializada à Saúde do Ministério da Saúde e reiteraram pedido de manifestação da Secretaria de Estado da Saúde (SES) sobre a recomendação, no que se refere à sua função de coordenação e articulação da rede estadual de oncologia.
Solicitaram ainda a averiguação e o acompanhamento do Conselho Regional de Medicina (CRM) em relação à situação dos pacientes em espera, especialmente os casos urgentes.
Demanda reprimida – Ao longo das investigações, os MPs apuraram que a SMS não estava cumprindo orientações do Denasus para que assumisse integralmente a regulação dos atendimentos em oncologia na rede local. Permanecia com o HNL a prerrogativa de agendar consultas com oncologistas para início de tratamento. Eram então disponibilizadas consultas para número limitado de pacientes no início de cada mês, dispensando-se os demais, sem nenhum controle. A SMS por sua vez, não dispunha de informações sobre a quantidade de pacientes aguardando atendimento e sobre o real atraso no início de seus tratamentos.
Após a Controladoria-Geral da União (CGU) apontar obstrução por parte da SMS ao trabalho de fiscalização, o MPF e o MPPB realizaram inspeção in loco no Hospital Napoleão Laureano em 1º de fevereiro e verificaram dezenas de pacientes e familiares amontoados, implorando por senhas de consulta, sendo mais da metade dispensada – muitos vindos do interior – para voltar no próximo mês. Em rápida amostragem, foram apurados cerca de 30 pacientes. Em levantamento efetivado junto aos municípios do estado, identificaram-se 139 pacientes aguardando agendamento de consulta para viabilizar início do tratamento, sendo que a demora para tal início chega a 180 dias.
Havia ainda cerca de dez pacientes de leucemia mielóide aguda impedidos de agendar consulta por suposta limitação de vagas de internação, sem comunicação à SMS. Esses casos são considerados de urgência médica e devem ser atendidos imediatamente. Até o momento, o HNL informou à SMS o início de tratamento quimioterápico de apenas um desses pacientes urgentes, estando os demais a aguardar consultas.
O MPF e o MPPB verificaram que os cerca de 85 pacientes que conseguiram agendar consultas para março e abril, conforme informações iniciais, estão tendo seu direito a atendimento no prazo de 60 dias gravemente violado (com esperas de mais de 100, 200 e até 300 dias). Também não havia nenhum controle do tempo efetivo de espera para o início do tratamento, como exige a lei (60 dias).
Os MPs recomendaram providências imediatas da SMS quanto ao agendamento das consultas dos pacientes e o cumprimento do prazo legal de início de tratamento para todos eles, conforme listas encaminhadas, com máxima prioridade aos casos de urgência. Recomendaram ainda promovesse busca ativa de outros, sendo que, com o mesmo objetivo, os Ministérios Públicos estão difundindo formulário pelas mídias sociais.
Versões desencontradas – A direção do HNL alega que atingiu limite contratual de atendimentos acordado e que a responsabilidade pelos pacientes não atendidos é do Município de João Pessoa. Alega também que o valor dos pagamentos feitos com base na tabela do SUS não cobre seus custos e precisa de mais recursos públicos para atender pacientes.
Equipe da SMS, por sua vez, diz que não foi atingido o teto para consultas e por isso o HNL não poderia impedir o acesso dos pacientes ao serviço, sendo que não teve ciência da elevada demanda reprimida identificada para início de tratamento. Alega ainda que, além dos repasses regulares do SUS, autorizou o pagamento extra de mais de R$ 15 milhões em emendas parlamentares federais e municipais somente em 2022 e 2023, mencionando um total de 50 milhões de reais pagos ao HNL. A SMS disse ainda que o hospital se recusou a alterar planos de trabalho para recebimento de mais recursos de emendas parlamentares, insistindo em receber tais recursos sem nenhum compromisso de ampliação proporcional de atendimentos para a população.
A CGU, por sua vez, aponta, dentre diversas irregularidades, que o HNL vem se valendo de cobranças indevidas de cidadãos e Municípios para terem acesso prioritário ao atendimento, dando início a tratamentos sem autorização da SMS e violando assim a isonomia que deve existir no SUS.
O MPF e o MPPB destacam que pacientes em risco de vida não podem ser prejudicados enquanto a SMS não consegue se entender com fundação privada que contratou e sobre a qual deveria manter estrita supervisão, como diz a legislação.
Falhas de gestão – Na recomendação expedida, os MPs apontam que, enquanto os pacientes eram mantidos em esperas informais e indefinidas sem perspectiva sequer de início de seus tratamentos, o hospital recebeu aportes adicionais milionários de recursos públicos oriundos de emendas parlamentares sem que a SMS estipulasse metas compatíveis para redução de filas ou agilização de atendimentos.
Para os Ministérios Públicos, mostra-se inadequado destinar recursos de emendas parlamentares apenas para pagar elevados custos – especialmente de pessoal da fundação – quando mais de 200 pacientes têm seu direito a acesso tempestivo ao tratamento oncológico gravemente violado.
Relatório de auditoria independente de comissão constituída pelos MPs desde 2019 com representantes dos Conselhos Regionais de Administração, Contabilidade e Medicina já havia verificado diversas irregularidades na gestão da entidade por anos a fio, dentre as quais falta de atenção com ferramentas básicas de gestão, descontrole de gastos com vários tipos de contrato de prestação de serviço, além da assunção de dívidas de modo imprudente e excessivo.
Quanto a alegações de defasagem da tabela SUS e limitações de teto contratual, o HNL ainda não apresentou aos Ministério Públicos e à Justiça Federal nenhuma comprovação de que a crise financeira que enfrenta teria decorrido principalmente desses fatores. De acordo com auditoria independente promovida pelo MPF e pelo MPPB, os aportes milionários de recursos públicos adicionais e socorro da população ao longo dos anos deveria ter coberto eventual déficit, mas não houve adequado controle e transparência na gestão.
Índices de mortalidade – A CGU apontou em seu relatório que o HNL apresenta o maior percentual de óbitos de pacientes oncológicos em internação hospitalar da Região Nordeste. Detectou também outras graves irregularidades no local, como erros de medicação, prontuários incompletos e atrasos e interrupções injustificados nos tratamentos.
O HNL alegou perante a CGU que devem ser considerados outros fatores como a situação financeira do hospital e o cenário socioeconômico do estado. Segundo a CGU, a comparação foi feita com estabelecimentos localizados na região nordeste do país, com cenário socioeconômico semelhante.
A CGU constatou ainda que, do total de 2.351 pacientes oncológicos que estiveram internados na Paraíba em 2021, 950 foram a óbito durante ou após o período de internação, correspondendo a um percentual de 40,41%, quase o dobro do percentual médio de 23,02% de toda a amostra. No entanto, o óbito pós internação pode ser causado por vários fatores e não necessariamente pela falta de adequado atendimento pelo SUS, sendo necessário assim averiguação mais precisa desses fatores.
Em relatório produzido em 2019-2020 e apresentado à Justiça Federal, o CRM já havia apontado indícios de crescente aumento da mortalidade específica por neoplasias na Paraíba e no município de João Pessoa entre 2011 e outubro de 2019.
Intervenção judicial – A situação deficitária do HNL levou o MPF e o MPPB a ajuizarem a Ação Civil Pública nº 0810457-22.2020.4.05.8200, perante a 2ª Vara Federal da Paraíba em outubro de 2020, pleiteando intervenção judicial no hospital, bem como que recursos de emendas parlamentares só fossem liberados após exame da real situação financeira da entidade pelo interventor. Os pedidos foram reiterados em novembro de 2020, julho, setembro e dezembro de 2021, e em junho de 2022, no entanto, o órgão judicial reconsiderou entendimento anterior e encaminhou processo à Justiça Estadual em julho de 2022.
Acolhendo recurso dos MPs, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) determinou o prosseguimento do processo na Justiça Federal, desde abril de 2023, em decisão confirmada em julho de 2023. Aguarda-se o retorno do processo para apreciação dos pedidos. Segundo os Ministérios Públicos, apenas com intervenção judicial será possível regularizar atendimentos dos pacientes e apurar adequadamente as causas profundas dos elevados custos do HNL e o quadro alarmante de falha de atendimento pela entidade, verificando-se a dimensão dos efetivos prejuízos que vêm sendo suportados pela clientela do SUS na Paraíba. É necessário levar em conta especialmente o fato de ter sido seriamente represada a demanda de pacientes para início de tratamento, sem nenhum controle da SMS.
Da Redação
Do Portal Umari
Com Parlamento PB