Um mês após a tragédia na barragem de Brumadinho (MG), o delegado da Polícia Federal responsável pelo caso, Luiz Augusto Pessoa Nogueira, diz que não há barragens de mineração seguras no Brasil e que elas deveriam deixar de existir.
Ele afirma que será possível identificar culpados e aponta uma série de falhas de fiscalização a partir das investigações, ainda em andamento.
Segundo Luiz Augusto, já há convicção de que as mineradoras trabalham com algo que não conhecem, em referência ao fenômeno da liquefação -quando o material sólido se comporta como líquido.
Até agora, a apuração aponta que o fenômeno foi o causador da tragédia, que matou 179 pessoas no dia 25 de janeiro. Há ainda 131 desaparecidos. Peritos agora trabalham para desvendar qual teria sido a causa dessa liquefação.
"O que já temos plena convicção é que o fenômeno da liquefação é pouco conhecido e ainda que haja monitoramento, pode ocorrer mesmo assim. Ninguém sabe quando, como e por qual motivo. Nem como prevenir. Elas [mineradoras] trabalham com algo que não conhecem", afirmou o delegado à reportagem.
"Por ser pouco conhecido [o fenômeno da liquefação], você tinha que dizer o seguinte: 'Eu não sei lidar com isso, mas tem uma população ali que pode ser atingida. Então, eu vou tirar essa população dali'."
Luiz Augusto criticou a atual forma de controle e de fiscalização de barragens, que, segundo ele, permite que a mineradora receba um certificado de estabilidade mesmo com obras pendentes na área de segurança.
Em outro exemplo, afirma que há conflito de interesses no processo de fiscalização, o que faz aumentar o risco de acidentes. Pela legislação, a empresa de segurança contratada presta contas para a mineradora, e não para o estado.
"E essa empresa ainda muitas vezes é quem faz a obra que ela diz que tem que ser feita. Uma série de coisas que não fazem o menor sentido. Está tudo errado. Já que o estado não tem condições de fazer uma fiscalização, o estado deveria cobrar uma taxa da mineradora para que ele pudesse contratar a empresa que vai auditar", sugere.
Ele defendeu mudanças no sistema, mesmo que possam causar o aumento dos preços no setor. "Se isso for encarecer, que encareça. 'Ah, mas o minério dos outros países vai ficar mais barato'. Fazer o quê? Então, vamos partir para outro tipo de indústria. A gente está falando de vida e de meio ambiente, que acho que é muito mais importante do que a exportação de minério de ferro".
Luiz Augusto diz que, em sua opinião, há uma "cortina de fumaça" para defender que há tipos de barragens seguras, o que ele diz não existir.
"Estão jogando a responsabilidade nas barragens a montante [como a de Brumadinho e a de Mariana] e, assim, querem estar liberados para continuar com as jusantes. É uma falsa verdade. Todos essas barragens deveriam ser descomissionadas [a montante ou a jusante] e acabar com o rejeito liquido de mineração."
Nas barragens a jusante as novas camadas (alteamentos) são colocadas para frente, e, na montante, elas são inseridas em cima do próprio rejeito. Há no Brasil 84 barragens a montante inscritas no PNSB (Plano Nacional de Segurança de Barragens) e 107 a jusante.
Após a tragédia, a ANM (Agência Nacional de Mineração) estipulou prazo para a eliminação das barragens a montante e determinou que mineradoras retirem instalações industriais de zonas de risco.
No caso do ferro, há a possibilidade de se fazer mineração a seco, o que seria considerado o ideal, segundo o delegado, ainda que seja mais caro.
Sob argumento de que a apuração está em andamento, Luiz Augusto afirma não poder comentar especificamente o inquérito, diz que chegará aos culpados.
Ministério Público e Polícia Civil também apuram o caso. Executivos da Vale e de prestadoras de serviços foram presos a pedido desses dois últimos órgãos. Até agora, a Polícia Federal não pediu prisão de ninguém, mas realizou buscas e apreensões em endereços de pessoas ligadas à barragem de Brumadinho.
Da Redação
Com Folhapress