O ex-governador do Rio Sérgio Cabral admitiu pela primeira vez em depoimento ao Ministério Público Federal (MPF) que recebeu propina de obras e contratos firmados com empresas fornecedoras do governo do estado. Cabral apontou o seu chefe da Casa Civil, Régis Fichtner, preso pela Lava-Jato em fevereiro, como o coordenador dos esquemas de recebimento de propina.
No depoimento de cerca de três horas, Cabral cita a reforma do Maracanã, a desapropriação do Porto de Açu e a Linha 4 do Metrô como obras envolvidas no esquema de pagamento de propina.
De acordo com Cabral, o esquema era comandado por seu secretário da Casa Civil, Régis Fichtner. O ex-governador afirmou que determinava uma porcentagem que queria receber da obra ou dos contratos e que Fichtner “fazia um acordo”. O recebimento de propina começou, segundo Cabral, no início de seu governo, em 2007.
“Tudo comandado pelo Régis. Eu dava na mão dele. Dizia: eu quero assim, faz assim, ele ia fazendo, coordenando e tirando os próprios proveitos dele. Eu tirava os meus proveitos dos meus combinados, eu quero x% da obra, 2%, 3% da obra e o Régis fazia um acordo, se beneficiava também dessa caixa. E se beneficiava…que não me abria isso, tudo eu vinha a descobrir depois. ele fazia contrato na cara de pau, tava (??) para a Queiroz, para a Odebrecht, para não sei o que, para não sei o que…”, disse, acrescentando que o esquema teria começando entre janeiro e março: “Se não foi janeiro, foi fevereiro, se não foi fevereiro, foi março, quando começou a rolar a propina paga por aqueles fornecedores”, disse o ex-governador.
Segundo o ex-governador, ele pagava uma mensalidade para Fichtner com o dinheiro recebido da propina em seu governo e que o valor dessa mensalidade no início era em torno de R$ 100 a 150 mil reais. Cabral contou ainda que Fichtner sempre teve conhecimento e participação nos valores recebidos de forma lícita e ilicitamente em suas campanhas eleitorais, desde 1998. O ex-governador disse que Régis ajudou a “operacionalizar” o recebimento de caixa 2 na campanha de 2002.
A estratégia de defesa do ex-governador mudou após a troca de advogados. No início de janeiro, Márcio Delambert assumiu os processos de Cabral, mas descartou qualquer tratativa para um acordo de delação premiada.
Cabral contou que se recorda que Regis recebeu propina do setor de transportes e que em alguns casos eram prestados serviços advocatícios pelo escritório do ex-chefe da Casa Civil e os valores eram superfaturados para pagamento de propina. Ele afirmou ainda que o núcleo duro do grupo era formado por Regis, o ex-secretário de governo Wilson Carlos, e o ex-governador Luiz Fernando Pezão.
O secretário da Casa Civil de Cabral foi preso no dia 15 de fevereiro deste ano, em mais uma fase da operação Lava-Jato no Rio. Esta é a segunda prisão de Fichtner — que entre 2007 e 2014 foi uma das pessoas mais importantes do quadro de secretários de Cabral. Em novembro de 2017, ele e outras quatro pessoas foram detidas durante a Operação C’est fini (“É o fim”, em francês). O advogado passou uma semana na cadeia e foi liberado graças a um habeas corpus do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2). Na época, foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) acusado de receber mais de R$ 1,5 milhões em propina quando comandou a Casa Civil.
Nesta operação de fevereiro em que Fichtner foi preso, o MPF afirmou que foram mapeados R$ 4,750 milhões em propinas destinadas a Fichtner que constam tanto em documentos da Transexpert — empresa de transporte de valores usada pela organização de Cabral, segundo o MPF, para entrega de dinheiro vivo — quanto no sistema de controle dos doleiros delatores Vinicius Claret, o Juca Bala, e Claudio Barboza, o Tony.
O MPF aponta ainda, com base em emails e na delação de Carlos Miranda, operador de Cabral, uma sala que pertenceria a Fichtner e que foi paga com dinheiro de propina, segundo os procuradores. Como a sala não consta na declaração de imposto de renda do ex-secretário, o MPF aponta que, além da ocultação do dinheiro, Fichtner omitiu o imóvel como patrimônio.
O advogado de Sergio Cabral, Marcio Delambert, diz em nota que o depoimento do ex-governador se deu por pedido da defesa em um inquérito sigiloso, com o objetivo de melhor esclarecer fatos narrados em inúmeras ações penais.
O escritório de advocacia de Régis Fichtner negou ao G1 as acusações feitas por Cabral. Segundo a nota, o escritório disse que se o ex-governador fez tais declarações, elas “só podem estar servindo ao propósito de obtenção de benefícios ilegítimos de alguém que já foi condenado em inúmeros processos”.
A nota diz que o sigilo bancário do escritório foi quebrado pela justiça em 2017 e nenhum dos fatos relatados foi comprovado.
Da Redação
Com Extra