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Filho de morta por bala perdida diz receber ameaças de policiais militares

“Depois que ela morreu, passei dois meses na casa de um irmão. Recebi várias ligações. Fui ameaçado. Passei a viver com medo”. Marcos da Silva Freire, produtor musical de 44 anos, relata que, após a morte da sua mãe, Marinete da Silva Freire, de 66 anos, atingida dentro de casa por uma bala perdida durante uma troca de tiros entre a Polícia Militar e bandidos em João Pessoa, começou a sofrer com intimidações por parte de alguns policiais militares.
Segundo Marquinhos, como é conhecido em Mandacaru, bairro onde dividia a casa com a mãe, as ameaças começaram desde o dia em que ela foi baleada, 1º de agosto de 2015. O caso da empregada doméstica foi um dos seis registrados pela Secretaria da Segurança e da Defesa Social (Seds) como bala perdida na Paraíba em 2015. O único com morte.
“Minha mãe foi baleada na sala de casa. Quando vi que ela tava ferida no peito, sangrando, não quis saber o que estava acontecendo, peguei ela pelos braços e saí arrastando. Quando abri o portão, tinha um carro atrapalhando a saída, dei de cara com os policiais com os fuzis na cara dos assaltantes deitados no chão. Quando me viram gritaram para eu entrar, eu não obedeci e fui para rua, socorrer minha mãe”, relembra Marcos.
De acordo com o coordenador de Comunicação Social da Polícia Militar, major Lucas, a PM  aguarda a conclusão do inquérito policial para adotar posicionamento quanto a possível abertura de procedimento apuratório do caso.
Marinete da Silva Freire, conhecida como dona Neta, foi baleada dentro da casa após um tiro atravessar o portão de entrada da casa em que morava, no bairro de Mandacaru, na Zona Norte de João Pessoa. Ela chegou a ser socorrida pela própria Polícia Militar e encaminhada para o Hospital de Emergência e Trauma de João Pessoa, mas não resistiu ao ferimento no tórax e morreu no dia 2 de agosto.
A bala que matou dona Neta partiu de uma troca de tiros entre a Polícia Militar e quatro homens suspeitos de assaltar uma padaria do bairro do Bessa, na capital paraibana. Durante a perseguição da Polícia Militar, os criminosos bateram o carro em que estavam no muro de Marinete e Marcos. A troca de tiros e a prisão dos suspeitos aconteceu na entrada da casa onde mãe e filho moravam.
“A bala que matou a minha mãe foi de uma pistola de calibre ponto 40. Os assaltantes que foram pegos só usavam revólveres calibre 38. Até pela posição que os bandidos foram pegos, de costas para o muro da minha casa, não teria sentido se virarem para atirar para dentro de casa. E quando os assaltantes bateram o carro, não tinham nem como revidar (os tiros da polícia), não tinham bala porque já tinham usado contra a polícia na perseguição. A polícia atirou para executar os bandidos e acabou matando minha mãe”, denunciou Marcos Freire.
No dia do tiroteio, Marcos Freire relata que viu policiais militares recolhendo cápsulas de balas para tentar prejudicar o trabalho da equipe de perícia. Entrevistas dadas à época pelos policiais que participaram da ação contavam uma versão em que Marinete Freire tinha sido baleada na rua. Vizinhos da mulher vítima da bala perdida foram intimidados pelos policiais a não gravar vídeos ou fotos, segundo Marcos.
O filho de dona Neta mostra a marca na cortina da casa feita pelo tiro que matou sua mãe  (Foto: André Resende/G1)
O filho de dona Neta mostra a marca na cortina da casa feita pelo tiro que matou sua mãe
(Foto: André Resende/G1)
“Eles ficavam de olho nas pessoas com celular na mão e não deixaram gravar muita coisa. Consegui três fotos, que um vizinho tirou escondido, de um policial abaixado, apanhando as cápsulas. E foi só isso. Uma mulher que trabalhava na perícia, quando foi fazer a investigação na minha casa, me chamou meio escondido, depois que voltei do hospital, e falou que a cena do crime mostrava que o tiro que matou minha mãe tinha sido dado por um policial”, explicou.
O rapaz conta que as ameaças começaram por telefone e culminaram em uma visita. Marquinhos conta que o seu número de telefone estava exposto na parede da casa, para facilitar o contato das pessoas interessadas em realizar eventos musicais. As ligações anônimas começaram a ser constantes. As vozes eram diferentes, mas a mensagem era a mesma: ter cuidado com o que fosse falar à delegada que investigava a morte da sua mãe.
“Em uma ligação a pessoa falou ‘tu sabe que foi o tiro de um vagabundo que matou tua mãe, né?’. Eu sabia que não era e decidi falar tudo que sabia para a delegada. A história como aconteceu de verdade. Na delegacia, ela [a delegada] disse que um traficante de Mandacaru tinha assumido o tiro que tinha matado minha mãe, mas eu falei que não tinha nada a ver. Dei meu depoimento e voltei para casa”, completou.
G1 procurou a delegada responsável pelo inquérito que investiga a morte de dona Neta, Adriana Guedes. Ela explicou que a investigação ainda está em curso, à espera de mais provas para avançar.
“Estamos esperando o exame de balística ser enviado pelo IPC [Instituto de Polícia Científica]. Já ouvimos algumas testemunhas. As armas usadas pelo policiais na ocorrência também foram recolhidas. O caso ainda está em aberto”, comentou a delegada mais de seis meses após a morte de Marinete Freire.
A Ouvidoria da Polícia Militar informou não ter nenhuma denúncia registrada contra policiais militares envolvidos nas ameaças contadas por Marcos da Silva Freire. O G1 tentou contato com o IPC, mas a ligações não foram atendidas.
Marcos Freire, do local onde a mãe foi baleada, recorda como a bala entrou pelo portão da casa (Foto: André Resende/G1)
Marcos Freire, do local onde a mãe foi baleada, recorda como a bala entrou pelo portão da casa (Foto: André Resende/G1)
Mudança após ameaças
A pressão foi tamanha que o produtor musical parou de trabalhar e decidiu deixar a casa em que morava com a mãe. O medo de acontecer algo que colocasse sua vida em jogo ou a de algum outro parente falou mais alto. Foi morar temporariamente com um irmão em uma outra cidade, mas diante da impossibilidade de trabalhar e de ter seu espaço, voltou para a casa que serviu de palco para a morte da sua mãe. E na volta, Marcos sofreu a ameaça mais abertamente.
Em um dia de dezembro de 2015, Marcos conta que estava no portão da casa, quando um homem de bermuda parou em uma motocicleta na esquina, olhou por um tempo para ele e foi embora. Minutos depois ele retornou armado e acompanhado por um carro da Polícia Militar. Os policiais mandaram ele sair do portão e encostar no muro. Mesmo com medo, ele resistiu e continuou em pé, dentro de casa.
“Gritaram para que eu saísse. Disseram que só iam conversar. Mas o homem que estava de bermuda, carregando uma arma, estava muito agressivo. Eu continuei no mesmo lugar, com as mãos apoiadas na parte de cima do portão, em pé. Se eu fosse fazer o que eles estavam pedindo, podiam ter me colocado dentro do carro e só Deus sabe onde iam me levar. Quando viram que eu não saí, comentaram algumas coisas sobre o caso da minha mãe e foram embora”, relembrou.
A visita piorou o sentimento de insegurança e Marquinhos decidiu procurar um advogado. Ele recolheu fotos e vídeos do dia da tragédia e acionou na justiça o estado da Paraíba pela morte da mãe. O advogado do produtor musical, Martinho Cunha, explicou que diante das provas disponíveis no inquérito, ficou comprovada a culpa da Polícia Militar na morte de Marinete da Silva Freire. A ação, para o advogado, é uma forma do estado reparar a morte da mãe de Marquinhos, morta dentro de casa, por um tiro causado pela negligência da Polícia Militar.
“Entendo que houve falha no serviço prestado pelo estado, uma falha civil. Entramos com uma ação reparatória contra o Estado justamente por isso. Um inquérito deve ser aberto e os responsáveis por atirar e matar a mãe de Marcos devem ser identificados. Os exames de balísticas devem confirmar que o tiro partiu da arma de um policial militar”, explicou Martinho Cunha.
Enquanto o caso segue sendo investigado, Marquinhos continua aguardando uma resolução, na tentativa de reconstruir sua vida. Por conta das ameaças, abriu mão de trabalhar como DJ em festas. Nas que aceitava o trabalho, passou a contratar um segurança particular para fazer companhia.
“Nunca veio ninguém na minha casa me procurar pra me ajudar, nem polícia, nem Justiça, nem estado, nem Direitos Humanos, ninguém veio. Eu só quero poder voltar a andar tranquilo na rua, trabalhar nos clubes sem ter medo de ser baleado lá dentro. Voltar a ter uma vida normal, mesmo com a falta da minha mãe, que vai continuar. O que aconteceu naquele dia não vai sair nunca da minha cabeça”, lamentou Marcos.
Da Redação
Com Portal do Litoral
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