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Todos os condomínios do ‘Minha casa, minha vida’ no Rio são alvos do crime organizado



Todos os condomínios do “Minha casa, minha vida” destinados às famílias mais pobres — a chamada faixa 1 de financiamento — no município do Rio são alvo da ação de grupos criminosos. Após três meses de apuração, o EXTRA revela que, nos 64 conjuntos já construídos pelo programa federal, as 18.834 famílias beneficiadas são submetidas a situações como expulsões, reuniões de condomínio feitas por bandidos, bocas de fumo em apartamentos, interferência do tráfico no sorteio dos novos moradores, espancamentos e homicídios.
Para chegar a essa constatação, mais de 200 pessoas foram ouvidas, entre moradores, síndicos, policiais civis e militares, promotores, funcionários públicos e terceirizados, pesquisadores e autoridades. Além disso, foram analisados documentos da Polícia Civil, do Ministério Público, da Secretaria municipal de Habitação, do Disque-Denúncia, da Caixa Econômica Federal e do Ministério das Cidades, parte deles obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação. O material dá origem à série de reportagens “Minha casa, minha sina”, que começa a ser publicada neste domingo.
No primeiro capítulo da série, o EXTRA revela que pelo menos 80 famílias foram expulsas do condomínio Haroldo de Andrade I, em Barros Filho, Zona Norte do Rio, após uma ordem do criminoso mais procurado do Rio, Celso Pinheiro Pimenta, o Playboy. Uma investigação da Polícia Civil mostra que o chefe do tráfico do Complexo da Pedreira, em Costa Barros — bairro vizinho ao conjunto —, distribuiu os apartamentos, que as famílias beneficiadas foram obrigadas a deixar, entre aliados.

Maria: fuga só com a roupa do corpo, com seus quatro filhos
Maria: fuga só com a roupa do corpo, com seus quatro filhos Foto: Fábio Guimarães / Extra / Extra - Cidade

Em outubro do ano passado, em meio a uma disputa entre facções do tráfico por territórios na Zona Norte, Playboy gravou um áudio endereçado a rivais. No discurso, conta que deu casas a bandidos que mudaram de facção e se juntaram ao seu exército: “Os ‘menor’ tá aqui, tá na pureza, ganharam apartamento, ganharam vários ‘bagulho’”.
As cerca de 80 famílias expulsas não foram escolhidas ao acaso. Todas vieram das proximidades de Manguinhos, favela dominada por uma facção rival. A vendedora Maria*, de 54 anos, se lembra com exatidão da noite, em abril do ano passado, em que foi obrigada a deixar, com seus quatro filhos, o apartamento recém-decorado.
— Os bandidos perguntaram, armados, de onde nós tínhamos vindo. Quando viram meu contrato com meu antigo endereço em Manguinhos, deram um dia para sair — lembra Maria.


Respostas do poder público
O secretário de Segurança José Mariano Beltrame soube da invasão ao condomínio através de um ofício da Polícia Federal, que comunicou a presença de “pessoas armadas impedindo o acesso dos moradores”. O documento foi remetido à 39ª DP, que abriu um inquérito no início deste mês para apurar o caso. A Secretaria estadual de Segurança, porém, informou que só a Polícia Civil iria se manifestar sobre o ocorrido.
Por nota, a Civil confirmou que há inquéritos abertos sobre a presença do tráfico de drogas “em alguns empreendimentos do ‘Minha casa, minha vida’”, acrescentando que “as investigações estão em andamento e correm sob sigilo”.
Convidado a se manifestar sobre a situação das 80 famílias expulsas pelo tráfico, o Ministério das Cidades avisou que não se pronunciaria, por se tratar de “caso de segurança pública”. Já a Caixa afirmou que “as denúncias relacionadas a possíveis invasões e expulsões de moradores são repassadas ao Ministério da Justiça”.

Famílias expulsas de Barros Filhos continuaram pagando financiamento por alguns meses após a expulsão
Famílias expulsas de Barros Filhos continuaram pagando financiamento por alguns meses após a 

“Há inquéritos em andamento que apuram o tráfico de drogas em alguns empreendimentos do programa Minha Casa, Minha Vida. As investigações estão em andamento e correm sob sigilo. Todas as denúncias repassadas à Polícia Civil de crimes nessas regiões são checadas e investigadas.
No ano passado, a Delegacia de Defraudações (DDEF), instaurou inquérito para apurar fraude no programa. O relatório foi encaminhado à Justiça, com pedido de prisão preventiva de Diego Lazaro Mendes Moura, Bruno de Albuquerque Povoreli Ferreira, Maria da Paz de Souza da Silva e Lupercio Barbosa da Silva.
Em uma das ações nesses empreendimentos, a 31ª DP (Ricardo de Albuquerque) prendeu, em novembro do ano passado, o presidente da Associação de moradores do Gogó da Ema, Carlos Henrique de Oliveira, por envolvimento na invasão do condomínio Minha Casa, Minha Vida, em Guadalupe. Segundo investigações, ele e Paulo Aquino, que foi candidato a deputado estadual e também teve mandado de prisão expedido pela Justiça, agiram como organizadores da invasão. Carlos Henrique, de acordo com a delegacia, também responde a um inquérito por vender vagas no condomínio.”

Nem governo do estado nem governo federal deram solução à situação das famílias expulsas
Nem governo do estado nem governo federal deram solução à situação das famílias expulsas Foto: Fábio Guimarães / Extra

Caixa Econômica Federal:
"A Caixa Econômica Federal informa que, em cumprimento ao acordo interministerial, as denúncias relacionadas a possíveis invasões e expulsões de moradores nos empreendimentos do Programa Minha Casa Minha Vida são repassadas ao Ministério da Justiça.
Após o processo de reintegração, as unidades habitacionais são vistoriadas para identificação de possíveis danos e são recuperadas pela construtora e em seguida direcionadas aos beneficiários indicados pelas regras do Programa.
O banco esclarece ainda que as denúncias que versam sobre possíveis problemas de segurança recepcionadas pela CAIXA são encaminhadas para a SENASP, dentro do acordo interministerial. A CAIXA não divulga o teor das manifestações recepcionadas, por motivo de sigilo de informações que abordam questões de segurança."
Responsabilidades
O Ministério das cidades é o responsável pelo “Minha casa, minha vida” em última instância, uma espécie de pai do programa. É o órgão que define diretrizes e estipula regras, além de comandar a distribuição de recursos entre os estados.
Quem opera os financiamentos são dois bancos públicos, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, que também disponibiliza um telefone (0800 721 6268) para receber denúncias de irregularidades no programa, que são repassadas ao Ministério da Justiça.
Já o Ministério da Justiça coordena um grupo interministerial, criado em abril do ano passado, destinado a combater problemas no programa. As reuniões também incluem o Ministério das Cidades, a Polícia Federal e estados e municípios.


A Polícia Federal responde apenas pelas investigações sobre fraudes no programa. Casos de crimes comuns, de maneira geral, são de responsabilidade das polícias estaduais.
À Secretaria de Segurança do estado estão subordinadas a Polícia Militar, que faz o policiamento ostensivo, e a Polícia Civil, que faz o trabalho de investigação. A Secretaria estadual de Segurança (Seseg), portanto, responde por quaisquer problemas relativos à segurança pública no estado.
Já a prefeitura e o governo do estado, através de suas respectivas secretarias de Habitação, dependendo de cada empreendimento, cadastram os beneficiados e coordenam os sorteios. Nos primeiros meses após a inauguração, com a presença de assistentes sociais, os órgãos devem acompanhar de perto os moradores, podendo receber denúncias sobre eventuais irregularidades.
*Todos os nomes utilizados na série são fictícios.




Fonte: Extra Online
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